Vale Tudo: plano de Maria de Fátima atinge novo nível ao mirar na gravidez de Solange

Quando a trama parece já ter mostrado todo o arsenal de maldades, vem um golpe ainda mais baixo: Maria de Fátima decide atacar a gravidez de Solange. Na adaptação atual de Vale Tudo, a vilã de Bella Campos arma um plano calculado para eliminar o que vê como obstáculo direto ao futuro do seu filho: os gêmeos que Solange (Alice Wegmann) espera de Afonso (Humberto Carrão). A virada coloca a disputa pela herança dos Roitman em ponto de ebulição e reforça o retrato da personagem como alguém que não enxerga limites.
O plano de Fátima: como a vilã tenta virar o jogo
O estopim foi a descoberta de que Celina (Malu Galli) mentiu quando disse que Afonso era estéril. Ao perceber que o herdeiro dos Roitman poderia, sim, ser pai, Fátima viu seu castelo de cartas balançar. Pior: Solange não está só grávida, espera gêmeos. Em uma família onde patrimônio e poder definem relações, dois bebês de Afonso mexem na linha de sucessão e, na visão de Fátima, diminuem o peso do seu próprio filho na disputa.
Daí nasce a ideia mais perversa que a personagem apresentou até aqui: interferir na saúde de Solange para forçar a perda da gravidez. Fátima explica o plano ao amante e cúmplice, César (Cauã Reymond). Ela sabe que Solange é diabética e depende de canetas de insulina para manter a glicose sob controle. A intenção é simples e mortal: substituir o conteúdo da caneta por água. Sem insulina, a glicose de Solange subiria em disparada, provocando um quadro grave que poderia colocar em risco os gêmeos e a própria vida da mãe.
O passo a passo foi desenhado com frieza. Fátima orienta César a levar Solange ao Tomorrow, ponto de encontro que a personagem frequenta, para mantê-la ocupada. Enquanto isso, ela usaria uma chave que ainda tem do período em que morou com Solange para entrar no apartamento, localizar os medicamentos e fazer a troca. A facilidade de acesso ao remédio é o que torna a cena ainda mais tensa: a vida dos bebês – e a integridade da mãe – ficam literalmente na mão da vilã.
Nem César, que não é conhecido por ter freios morais, compra a ideia de cara. A reação dele serve de termômetro: o plano passa de qualquer linha vermelha. A novela faz questão de mostrar que não se trata apenas de mais uma armação. É uma agressão direta, silenciosa e potencialmente irreversível.
Para quem convive com diabetes, o risco descrito é real. Em gestantes, a falta de insulina pode causar hiperglicemia grave e até cetoacidose, um estado de emergência médica. Guias clínicos internacionais alertam que episódios assim aumentam o risco de perda gestacional e complicações sérias. A insulina, nesse contexto, não é detalhe: é o que mantém o organismo em equilíbrio. Substituí-la por água transforma uma rotina de cuidado em armadilha.
Fátima aposta que tudo ficará sem rastros. Mas a novela planta dúvidas que prometem render: o frasco seria periciado? A troca deixaria sinais? Quem teria acesso ao apartamento? Esses elementos alimentam a camada policial da história, porque adulterar medicamento é crime. Caso a farsa venha à tona, a personagem pode responder por tentativa de homicídio e outros delitos, o que abriria um novo flanco para o núcleo jurídico da trama.
Há também o impacto emocional. Solange, que vinha celebrando a gravidez após tantas idas e vindas com Afonso, pode se ver abatida e sem entender o que aconteceu com o próprio corpo. Para Afonso, o choque de uma eventual perda atingiria dois pontos nevrálgicos: a paternidade e a sucessão. E o que isso faz com a relação dele com Fátima, a outra mãe de seu filho? A novela abre espaço para um conflito de fundo moral que sempre foi marca da obra original.

O que está em jogo: herança, saúde e memória do clássico
O núcleo Roitman carrega o peso do nome. A briga por lugar à mesa – e, por extensão, pelo poder – é o motor dessa fase. Desde que veio à tona que Afonso não era estéril, a matemática da herança ganhou novas variáveis. A mentira de Celina bagunçou o tabuleiro, mas foi a gravidez de Solange, com gêmeos, que virou a peça-chave. Se nascem saudáveis e são reconhecidos, o equilíbrio de forças muda de vez.
É nesse ambiente que Maria de Fátima se move melhor: entre atalhos, manipulação e oportunismo. Na adaptação atual, Bella Campos recria a vilã com um traço que conversa com o presente: menos caricatura, mais cálculo frio. Quando ela pega as chaves antigas e volta ao apartamento de Solange, a direção escolhe um suspense íntimo, de passos contidos e câmera próxima. Nada de plano mirabolante com explosões. O perigo está num gesto que cabe na palma da mão.
O plano também cutuca um tema sensível: a representação de doenças crônicas na teledramaturgia. Ao colocar a diabetes no centro de uma armação, a novela expõe como a dependência de tecnologia e medicamentos pode virar vulnerabilidade. A narrativa não romantiza: sinaliza o risco e aponta a gravidade. Em paralelo, dá material para discussões fora da TV, de consultório a sala de aula, sobre segurança de medicamentos e autonomia do paciente.
Para quem acompanhou a obra clássica, o eco é claro. A “escala de cinismo” de Maria de Fátima sempre foi um termômetro da história. A versão atual atualiza o contexto, troca referências, muda os rostos – agora com Alice Wegmann, Humberto Carrão, Malu Galli e Cauã Reymond orbitando o trio central –, mas preserva a pergunta que nunca cansa: até onde alguém vai por dinheiro e status?
No campo prático do enredo, resta saber como – e se – a troca será detectada. Um detalhe mínimo pode falhar: a diferença de consistência do líquido, o comportamento da glicose em exames de rotina, um frasco fora do lugar. A dramaturgia gosta de pistas que parecem bobas e viram prova depois. E, se Solange desconfiar, a casa de Fátima pode ruir rápido.
Também pesa a responsabilidade de Afonso. O herdeiro dos Roitman se vê no olho do furacão, pai em potencial de três crianças, cercado por segredos, mentiras e interesses cruzados. Qualquer decisão dele – apoiar Solange, confrontar Fátima, refazer laços com Celina após a mentira – muda os próximos capítulos. E, convenhamos, novela boa vive de decisão difícil.
Nos bastidores da narrativa, a cena planejada para o Tomorrow funciona como isca dramática. Enquanto César segura Solange do lado de fora, a tensão no apartamento sobe. É o tipo de construção que prende o público pelo contraste: a vida corre normal aqui, e, ali, alguém mexe em algo que não deveria. Quando os dois fios se encontram, vem o choque.
Se o objetivo era reacender a chama do “vale tudo” que batiza a obra, o plano de Fátima cumpre. Não há recuo, não há meia medida. Há método e frieza. E um lembrete incômodo: quando herança vira obsessão, a ética é a primeira a sair de cena.