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Racismo no futebol: boliviano Miguel Terceros é detido e liberado após acusação em jogo da Série B

Racismo no futebol: boliviano Miguel Terceros é detido e liberado após acusação em jogo da Série B set, 10 2025

Partida interrompida, flagrante e liberação: o que se sabe

Um jogo da Série B virou caso de polícia em Ponta Grossa (PR). O meia boliviano Miguel Terceros, do América-MG, foi acusado de injúria racial pelo atacante Allano, do Operário-PR, no domingo, 4 de maio de 2025, no Estádio Germano Krüger. A arbitragem paralisou a partida por cerca de 15 minutos após a denúncia em campo, acionando o protocolo antirracismo. Não houve punição disciplinar imediata durante o jogo.

Depois do apito final, Terceros foi detido em flagrante e passou a noite na delegacia de Ponta Grossa. Na manhã de segunda-feira, ele prestou depoimento à Polícia Civil e foi liberado, com a expectativa de retorno a Belo Horizonte. A defesa nega qualquer ofensa, e o América-MG informou estar dando suporte jurídico e institucional ao atleta. Allano formalizou a acusação. Nenhum membro da equipe de arbitragem relatou ter ouvido a suposta expressão no momento do lance.

As autoridades agora cruzam relatos de testemunhas com imagens da transmissão e áudios captados de campo para tentar esclarecer o que foi dito. Em situações assim, a análise técnica costuma envolver diferentes ângulos, microfones de ambiente e, quando disponível, material bruto das emissoras. A súmula do árbitro e os relatórios dos assistentes também entram na apuração.

O episódio é considerado raro no futebol brasileiro. Segundo o Observatório da Discriminação Racial no Futebol, este é o primeiro registro de prisão por acusação de racismo em partida em 2025. O diretor do Observatório, Marcelo Carvalho, lembra que um caso de grande repercussão em competições oficiais ocorreu em 2005, no confronto São Paulo x Quilmes, pela Libertadores.

Protocolo, lei e possíveis desdobramentos

O protocolo antirracismo do futebol brasileiro prevê que a arbitragem paralise o jogo, acione o sistema de som do estádio com mensagens educativas e só retome a partida quando houver condições de segurança e respeito, registrando tudo em súmula. Quando a ofensa é supostamente praticada por atleta ou membro de comissão técnica, a decisão disciplinar esportiva não acontece em campo; ela segue para o Tribunal de Justiça Desportiva.

No âmbito criminal, a acusação de injúria racial é tratada com mais rigor desde mudanças legislativas recentes. A pena prevista pode chegar a cinco anos de prisão, a depender do enquadramento e das circunstâncias do caso. Em geral, a polícia instaura inquérito, ouve as partes, analisa vídeos e áudios, e remete o conjunto de provas ao Ministério Público, que decide se oferece denúncia à Justiça.

Na esfera esportiva, o Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) tipifica a prática de ato discriminatório. Para atletas, a punição pode incluir suspensão por partidas e multa. Se houver envolvimento de torcedores, o clube pode sofrer sanções como multa, perda de mando de campo ou jogos com portões fechados. No episódio de Ponta Grossa, a acusação recai sobre um jogador, o que, se confirmado pelo tribunal, tende a concentrar a responsabilização na figura do atleta.

Por que a prisão em flagrante? Em ocorrências dentro de estádios, a polícia pode atuar imediatamente após a partida quando há denúncia formal, testemunhos e elementos iniciais que indiquem o delito. A liberação posterior depende da avaliação da autoridade policial e de medidas cautelares que possam ser adotadas durante a investigação. Isso não encerra o caso: o inquérito segue, e o atleta pode ser chamado novamente para novos depoimentos.

Os próximos passos incluem: laudos técnicos de áudio e vídeo; a entrega da súmula e relatórios complementares pela equipe de arbitragem; depoimentos de jogadores, membros de comissão técnica e delegados da partida; e, em paralelo, a atuação do Tribunal Desportivo, que pode instaurar um inquérito próprio. A procuradoria do STJD costuma aguardar a documentação oficial para então oferecer denúncia, se entender que há indícios suficientes.

O América-MG declarou apoio jurídico a Terceros e aguarda a apuração dos fatos. O Operário-PR, por sua vez, respaldou seu atleta, Allano, no relato da ofensa durante o jogo. Em casos semelhantes, os clubes geralmente colaboram com as autoridades compartilhando material interno, como imagens de câmeras do estádio e relatórios de seus delegados.

Dados do Observatório da Discriminação Racial no Futebol ajudam a dimensionar o cenário: entre 162 incidentes de discriminação registrados, 128 foram agressões de torcedores a jogadores. Apenas 12 casos envolveram atletas como acusados, e, nesses episódios, a regra tem sido o investigado responder em liberdade, sem prisão imediata. Isso reforça o caráter incomum da detenção após a partida em Ponta Grossa.

Independentemente do resultado da investigação, a parada de 15 minutos e o acionamento do protocolo dão o tom do que o futebol brasileiro tem tentado fazer para coibir ofensas raciais em campo. Clubes, atletas e federações passaram a lidar com maior exposição e responsabilização. A discussão pública sobre racismo no futebol tornou-se parte do dia a dia das competições, e cada caso empurra o sistema a responder com mais celeridade e transparência.

Enquanto isso, o América-MG monitora a situação do jogador para a sequência da Série B. A eventual presença dele nas próximas rodadas dependerá de decisões internas e de eventuais medidas cautelares que venham da Justiça Desportiva ou da esfera criminal. A investigação segue em curso, sem prazo divulgado para conclusão.